“Estou desistindo do Brasil”: mudanças nas aspirações e capacidades migratórias diante de crises simultâneas
DOI:
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0275Palavras-chave:
Aspirações, Capacidades, Crises, Brasil, Migração internacionalResumo
Com base na teoria de aspirações-capacidades, este artigo analisa como a sobreposição de três choques - uma crise sociopolítica nacional, uma recessão econômica e um desastre socioambiental - influenciou as aspirações, decisões e estratégias de migração internacional das famílias. O estudo utiliza uma abordagem de métodos mistos, incluindo um survey estatisticamente representativo e 18 entrevistas semiestruturadas com famílias com e sem experiência migratória internacional em Governador Valadares, um dos principais epicentros de emigração no Brasil. Argumenta-se que, apesar das representações similares da migração internacional entre os estratos socioeconômicos, as aspirações e capacidades das pessoas de migrar no contexto de crises multidimensionais variam de acordo com sua posição de classe. Esses choques externos moldaram as aspirações de migração não apenas instrumentalmente, diminuindo o acesso a recursos financeiros e naturais, mas também simbolicamente, por meio de sentimentos de desânimo. Enquanto os trabalhadores pobres relatam viver em um “estado permanente de crise” e veem a emigração como uma ferramenta para melhorar suas condições de vida, para as classes médias baixas essas crises tornaram visível o descompasso entre suas (altas) expectativas, construídas durante a era de otimismo do início dos anos 2000, e suas reais chances de mobilidade social. A migração, portanto, aparece como uma solução para acessar serviços que outrora podiam pagar. Para as classes médias altas, essas crises representaram uma ruptura, com a emigração agora sendo considerada uma forma de manter sua qualidade de vida e posição de classe.
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