A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste
DOI:
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183Palavras-chave:
Gênero, Família, Demografia, Cúpula de Budapeste, Governo BolsonaroResumo
Este artigo busca analisar o significado da participação do Brasil na III Cúpula Demográfica de Budapeste. Esse encontro é derivado de uma série de eventos que ocorrem desde 2015, a partir da ascensão do governo de extrema-direita de Viktor Orbán. Com o objetivo de pensar o enfrentamento ao declínio populacional, a partir de estratégias anti-imigração e pró-família, o evento vem se posicionando como um contraponto às conferências da ONU. Enquanto percurso metodológico, partimos de pesquisa on-line e documental no site dos organizadores da cúpula e do governo brasileiro para, posteriormente, utilizarmos a análise crítica do discurso (ACD) para o pronunciamento da ministra Damares Alves durante o evento, com reflexão a partir dos estudos feministas pós-estruturalistas. O que se apura é uma inflexão do Brasil à agenda neoconservadora e antigênero, se associando a países de extrema-direita, fundamentalistas e contrários à defesa de direitos humanos. O discurso proferido instrumentaliza noções demográficas para camuflar suas perspectivas ideológicas em relação ao gênero, emprestando ares de discurso científico aos ataques aos direitos sexuais e reprodutivos e às noções de família não tradicionais.
Downloads
Referências
ARIES, Q. Season 8 – Democracy Undone. Episode 4: Rewriting History in Hungary. The Groundtruth Project. Roteiro: Quentin Aires. [s.i], 2019. (3 min.). Disponível em: https://thegroundtruthproject.org/rewrite-history-hungary-viktor-orban/ Acesso em: 15 fev. 2020.
ABEP − Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Carta aberta em defesa do IBGE e do Censo. 2021. Disponível em: http://www.abep.org.br/site/index.php/noticias/1921-carta-aberta-em-defesa-do-ibge-e-do-censo Acesso em: 15 abr. 2021.
BARROCAL, A. Bolsonaro se vê à frente de uma revolução em marcha e não vai parar. Carta Capital, 27 abr. 2020. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-se-ve-a-frente-de-uma-revolucao-em-marcha-e-nao-vai-parar/ Acesso em: 20 maio 2020.
BERQUÓ, E. As posições da OMS nas conferências de população da ONU nos últimos 50 anos. In: WONG, L. R. et al. Cairo+20: perspectivas de la agenda de población y desarrollo sostenible después de 2014. Rio de Janeiro: Alap, 2014. p. 17-22.
BIROLI, F. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.
BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Discurso por ocasião da III Cúpula Demográfica de Budapeste. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/setembro/na-hungria-ministra-damares-ressalta-que-o-brasil-e-um-pais-pro-familia/DiscursoBudapeste.pdf Acesso em: 5 set. 2019.
BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.
BRUSCHINI, C. Uma abordagem sociológica de família. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 6, n. 1, jan./jun. 1989.
BRUSCHINI, C.; RICOLDI, A. Articulação, trabalho e família: famílias urbanas de baixa renda e políticas de apoio às trabalhadoras. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2008 (Textos FCC, v. 28).
CAMARANO, A. A. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: Ipea, 2010.
CARLOTO, C.; NOGUEIRA, B. Família, gênero e proteção social. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 16, n. 42, p. 49-64, 2018.
CHADE, J. Extrema-direita húngara quer Brasil financiando cristãos no Oriente Médio. Uol, São Paulo, 27 nov. 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2019/11/27/extrema-direita-hungara-quer-brasil-financiando-cristaos-no-oriente-medio.htm Acesso em: 20 fev. 2020.
COHEN, S. Folk devils and moral panics: the creation of the Mods and Rockers. London: Routledge Classics, 2011.
CORREA, S. A “política do gênero”: um comentário genealógico. Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, p. 1-16, jun. 2018.
CRONEMBERGER, I.; TEIXEIRA, S. O sistema de proteção social brasileiro, política de assistência social e a atenção à família. Pensando Famílias, Porto Alegre, n. 2, 2015.
DINIZ, D.; CARINO, G. A mentira da “preservação sexual” da ministra Damares: há correlação entre defesa da abstinência e o aumento da gravidez na adolescência e da maternidade precoce, apontam estudos. El País Brasil, São Paulo, 6 jan. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-01-06/a-mentira-da-preservacao-sexual-da-ministra-damares.html?outputType=amp&__t%E2%80%A6. Acesso em: 31 jan. 2020.
DITEC. INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA. Laudo n. 1242/2020 − INC/DITEC/PF. Laudo de perícia criminal federal. Disponível em: https://pdfhost.io/v/FEN3nHBd._Agencia_Brasil_laudo_Bolsonaro.pdf Acesso em: 23 maio 2020.
ESPING-ANDERSEN, G. Social foundations of postindustrial economies. Oxford: Oxford University Press, 1999.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
FAIRCLOUGH, I.; FAIRCLOUGH, N. Political discourse analysis: a method for advanced studies. London: Routledge, 2012.
FERREIRA, S. Orgulho e preconceito: a resposta europeia à crise de refugiados. Relações Internacionais, Lisboa, v. 50, n. 1, p. 87-107, jun. 2016.
FLICK, U. Métodos de pesquisa: introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Penso Editora, 2009.
FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1997. (Obra original publicada em 1969).
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.
GUIMARÃES, A. S. Depois da democracia racial. Tempo Social, v. 18, n. 2, nov. 2006.
JUNQUEIRA, R. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político- -discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política, Porto Alegre, v. 18, n. 43, set./dez. 2018.
LEE, R.; MASON, A. What is the demographic dividend? Finance & Development, IMF, v. 43, n. 3, 2006.
LOURO, G. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
MACHADO, L. Z. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. Cadernos Pagu, Campinas, n. 50, p. 1-48, jul. 2017.
MIGUEL, L. F. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014.
MELO, I. Análise do discurso e análise crítica do discurso: desdobramento e intersecções. Letra Magna, ano 5, n. 11, p. 1-18, dez. 2009.
MARTINS, R. Do Cairo a Nairóbi: 25 anos da agenda de população e desenvolvimento no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 36, p. 1-9, dez. 2019.
NULLE, A. L.; MOREIRA, C. S. A Previdência Social: reforma ou há alternativas? Economia e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 3, p. 791-819, dez. 2019.
PAINS, C. “Menino veste azul e menina veste rosa”, diz Damares Alves em vídeo. O Globo, Rio de Janeiro, 3 jan. 2019. Sociedade. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/menino-veste-azul-menina-veste-rosa-diz-damares-alves-em-video-23343024 Acesso em: 22 fev. 2020.
PROJETO COMPROVA. Com dados fora de contexto, publicação atribui a Bolsonaro sucesso em índices de segurança. Estadão, São Paulo, 10 out. 2019. Estadão Verifica. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/com-dados-fora-de-contexto-publicacao-atribui-a-bolsonaro-sucesso-em-indices-de-seguranca/ Acesso em: 29 fev. 2020.
TURRA, C. Os ajustes inevitáveis da transição demográfica no Brasil. In: VIEGAS, M.; ALBUQUERQUE, E. Alternativas para uma crise de múltiplas dimensões. Belo Horizonte: Cedeplar – UFMG, 2018.
RODRIGUES, R. Na ONU, Brasil promove desmonte de política progressista de direitos humanos. Gênero e Número, 19/09/2019. Disponível em: http://www.generonumero.media/onu-brasil-conservadorismo-direitos-humanos/ Acesso em: 25 abr. 2021.
SANCHES, M. Novo presidente da Fundação Palmares minimiza racismo no Brasil em post; entidades criticam. G1, Brasília, 28 nov. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/11/28/novo-presidente-da-fundacao-palmares-minimiza-racismo-no-brasil-em-post.ghtml Acesso em: 20 maio 2020.
SARDENBERG, C. Negociando gênero em desenvolvimento: os feminismos brasileiros em destaque. Cadernos Pagu, Campinas, n. 52, p. 1-46, nov. 2018.
SCOTT, J. Prefácio a Gender and Politics of History. Cadernos Pagu, Campinas, n. 3, p. 11-27, 2007.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 20, p. 71-100, jul./dez. 1995.
SERGIO CAMARGO, presidente da Fundação Palmares, chama movimento negro de ‘escória maldita’ em reunião. G1, 2/6/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/02/sergio-camargo-presidente-da-fundacao-palmares-chama-movimento-negro-de-escoria-maldita-em-reuniao.ghtml Acesso em: 24 abr. 2021.
SHALDERS, A. Como Damares Alves saiu de ministra ‘periférica’ a figura central do bolsonarismo. BBC News Brasil, 3 set. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53980530 Acesso em: 24 ago. 2020.
SORJ, B. Arenas de cuidado nas interseções entre gênero e classe social no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 43, n. 149, p. 478-491, maio/ago. 2013.
SAWYER, D. Palco e bastidores da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 36, p. 1-8, dez. 2019.
VIVAS, F. ‘Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã’: diz Damares ao assumir Direitos Humanos. G1, Política, Brasília, 2 jan. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/02/estado-e-laico-mas-esta-ministra-e-terrivelmente-crista-diz-damares-ao-assumir-direitos-humanos.ghtml Acesso em: 15 jan. 2020.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2022 Revista Brasileira de Estudos de População
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Os artigos publicados na Rebep são originais e protegidos sob a licença Creative Commons do tipo atribuição (CC-BY). Essa licença permite reutilizar as publicações na íntegra ou parcialmente para qualquer propósito, de forma gratuita, mesmo para fins comerciais. Qualquer pessoa ou instituição pode copiar, distribuir ou reutilizar o conteúdo, desde que o autor e a fonte original sejam propriamente mencionados.